O filme SOMM desvendou ao público as rigorosas exigências que os aspirantes ao título de Master Sommelier (MS) enfrentam para serem bem sucedidos no exame de degustação do Court of Masters Sommeliers – um dos institutos mais respeitados do mundo na formação de profissionais da área. Há quem diga que para ser um bom degustador é necessário ‘litragem’, mas, pessoalmente, eu não concordo com esta colocação, já que incita o consumo desmedido e sem foco. Na minha experiência pessoal, descobri que para se tornar um degustador profissional é de fato necessário provar vários vinhos por diversas vezes, mas requer acima de tudo técnica, foco e atenção aos sentidos.
Sabemos que a maior parte dos consumidores desejam (com todo o direito) simplesmente apreciar um vinho, sem grandes complicações ou afetações. Inversamente a este desejo, é comum encontrarmos por aí termos rebuscados para apresentar um vinho onde a descrição da bebida se tornou algo maçante, com termos pouco compreensíveis e uma relação de aromas que poucos reconhecem de verdade.
O meu convite neste texto é deixar isso temporariamente de lado e fazer uma reflexão de como a degustação pode ser uma experiência íntima e de autoconhecimento.
Degustar é provar algo com atenção e vale para qualquer bebida ou alimentos (na verdade, hoje em dia há até degustação de canais de TV a cabo!). Para isso, é necessário o conhecimento dos seus próprios sentidos e gostos a fim de desvendar as sensações que irão surgir ao realizar a prova. É, portanto, uma viagem para dentro de si que gera grande humildade, já que revela os nossos pontos mais fortes, assim como os mais fracos. Para os profissionais, o ato de degustar exige ainda maior preparação, pois o propósito não é só apreciar, mas também identificar possíveis defeitos ou diferentes níveis de qualidade.
Sem dúvida, a identificação dos aromas é um entrave para muitas pessoas e, por vezes, faz com que elas se sintam incapazes de desfrutar de um vinho distanciando-as da bebida. Precisamos, primeiramente, reconhecer que o olfato é um ponto fraco em nós, seres humanos, já que não o usamos com o sentido de sobrevivência, como ocorre com muitos animais. Por isso, o olfato é um dos nossos sentidos menos desenvolvidos e que precisa ser aprimorado, desde que esta seja a sua vontade. Caso contrário, recomendo ao menos que consiga perceber se vinho em questão apresenta algum aroma desagradável (ex. mofo, enxofre, plástico, vinagre), para evitar tomar um vinho que potencialmente esteja defeituoso.
Para aqueles que têm interesse em desenvolver esta sensibilidade, poderão perceber a beleza da natureza através dos aromas de temperos, flores, frutas e vegetações que, muitas vezes, encontramos no vinho. Irá notar que as frutas que comemos com maior frequência, são aquelas que temos os aromas e sabores guardados na memória de forma mais clara. Poderá também ser uma porta para conhecer outras frutas (ou ervas, ou hortaliças) e nesta busca irá descobrir itens que não faziam parte do seu cotidiano, mas são deliciosos! Reconhecer cheiros é um dos meios de entrarmos em contato conosco e com o que há ao nosso redor, bem como um dos que mais nos trazem lembranças de bons ou maus momentos – é a chamada memória afetiva.
Quanto ao paladar, a experiência extrapola os sabores e envolve a percepção das texturas do vinho. Entre elas estão a salivação, o peso (ou corpo), a adstringência e ‘granulosidade’ dos taninos.
Antes de rejeitar a acidez, perceba como ela te faz salivar trazendo grande percepção de frescor. Não por acaso, os espumantes e vinhos brancos são as bebidas ideais para os dias quentes, já que possuem acidez mais alta e trazem a sensação de refrescamento.
Já a adstringência é identificada pela sensação de secura sobre a língua e nas gengivas, derivada dos taninos presentes principalmente no vinho tinto. Unido à esta percepção, tem outra que é de maciez ou rugosidade, que vêm dos mesmos taninos, mas indicam sua qualidade ou a identidade da uva. Tente perceber se eles são finos como um talco ou granulosos como a areia, se são sedosos como uma seda ou ásperos como a trama de uma calça jeans.
Nossa relação com o vinho envolve ainda observar o seu volume e sensação de peso ou ainda, uma certa viscosidade sobre a língua, derivada do álcool ou do açúcar de um vinho doce.
Em suma, fiz questão de mencionar todos estes aspectos não para inibir, mas para incentivar a sua busca em explorar seus sentidos e se auto perceber. Sem dúvida que a degustação pode ser feita de forma mais racional e deve ser assim feita pelos profissionais quando assim necessário. Mas só se tornam amantes do vinho, aqueles que se entregam à esta descoberta de si mesmo, do vinho que está na sua taça e das sensações que ele te faz sentir.
Texto por Bianca Veratti DipWSET